Esta fotografia, atribuída a Claro Jansson (1915), durante a Guerra do Contestado, pode ser considerada uma das mais rememoradas em relação ao conflito ocorrido, a “famosa foto dos vaqueanos da Serraria Lumber, em Três Barras (SC) 1915” (TESSER; 2016). Aí estão homens de composição étnica diversa, vestidos com diversos tipos de chapéus e paletós, organizados em duas fileiras, da direita para a esquerda em pé na primeira fileira estão dois homens com instrumentos musicais, um toca uma sanfona sorrindo e o outro posa como quem canta e toca a viola, ao lado deles posam mais oito homens portando diferentes tipos de espingardas. Na segunda linha, agachados, o primeiro homem à direita posa com dois revólveres, o segundo porta um facão na mão direita e um revólver na esquerda, seguindo de um homem descalço também munido de um facão na mão direita e um revólver na esquerda. Ao seu lado estão dois homens com espingardas e o último à esquerda segura um revólver.
Na fotografia percebemos a presença de pessoas não brancas e brancas que participaram ativamente da Guerra do Contestado, os vaqueanos eram pessoas da região que lutaram em favor das forças repressoras. Ora, como pessoas afrodescendentes estariam presentes nesta fotografia sendo que na historiografia, conforme Thomé (2009), existem autores que chegam a considerar insignificante a presença afrodescendente na composição do estado de Santa Catarina?
Para explicar esta composição étnica da fotografia uma possibilidade é pensar o processo de ocupação da região onde ocorreu o conflito, que atualmente está localizada entre os estados de Santa Catarina e Paraná. A ocupação não ocorreu de forma única, possui especificidades nas áreas da região e, a configuração atual do território foi delimitada após a instalação da República, em contexto que entrecruza a Guerra.
Martins (1991) explica o movimento de ocupação da região do Contestado a partir das expulsões de indígenas de maioria Kaingang e Xokleng que habitavam a região, procedimento que foi muito praticado nas ocupações do território brasileiro.
Quanto à região do território que foi ocupado no Contestado, o autor traz as delimitações entre os 26º e 28º de latitude sul e 50º a 52º a oeste de Greenwich (MARTINS, 1991), conforme mapa abaixo que também mostra o território disputado entre Paraná e Santa Catarina e as negociações de limites:
A região foi caminho de viajantes que transitavam entre o sul e sudeste do Brasil, integrou trechos do caminho das tropas e passou a receber maior número de ocupações a partir do século XVIII, com o início do ciclo do ouro em Minas Gerais. O transporte de animais entre o Rio Grande do Sul e o Sudeste levou à criação dos caminhos das tropas nesta região, sendo a primeira datada por Martins (1991) em 1728. Os caminhos das tropas vão ser a principal conexão entre o extremo sul e o restante do território até a implantação da estrada de ferro, no século XIX.
Neste contexto, de forma gradual, posseiros foram se fixando na região. Sobre a ocupação afrodescendente, Martins (1991) relata marcos como a Guerra dos Farrapos e a Revolução Federalista, uma no início e outra no final do século XIX, “um grande número de ex-escravizados, forros ou fugidos, veio se esconder pelos sertões do planalto sem se importar, ou por isso mesmo, com as condições de isolamento do sertão" (MARTINS, 1991, p.35). No decorrer das ocupações nesta região comunicações vão se estabelecer no território. Machado (2008) quando discorre sobre as condições de isolamento do sertão, considera a região, no caso o Contestado catarinense e Planalto Catarinense, estritamente conectada. Por ser parte do caminho das tropas, as pessoas que por ali transitavam “tinham experiências geográficas amplas, frequentemente sabiam das coisas que aconteciam nas províncias e nos estados vizinhos” (MACHADO, 2008, p.30).
Você sabia que na Guerra dos Farrapos (1835-1845) houve a participação de afrodescendentes? Conheça um pouco sobre a Batalha dos Porongos no vídeo abaixo:
Aos poucos o território foi ocupado, muitas vilas foram fundadas na região ao longo deste período. As pessoas que habitavam estas localidades, em geral, eram muito pobres e comandadas por coronéis com grande influência sobre as localidades. Martins (1991) aponta marcos que aumentaram as desigualdades sociais na região, como a Lei de Terras de 1850, tornou obrigatório o requerimento de propriedade de terras e levou à expulsão de pessoas das terras que ocupavam. Outro fator influenciador foi a Proclamação da República que transferiu as terras públicas para os Estados, sob influência de poder por parte dos coronéis.
Clique e acesse a Lei Nº 601, de 18 de Setembro de 1850. conhecida como Lei de Terras.
Nilson Thomé (2009) relata, entre 1908 e 1910, a ocorrência de uma corrente imigratória composta por grande número de descendentes de negros e de indígenas vindos principalmente da Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo como trabalhadores contratados para a abertura e construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
Estes fluxos migratórios para a região são fatores que para Thomé (2009) possuem grande relevância para o contexto da Guerra do Contestado, embora Machado (2008) acredite que a maioria dos trabalhadores eram majoritariamente da região do planalto catarinense, de regiões próximas do planalto do Rio Grande do Sul e do interior do Paraná, devido à ausência de registros da movimentação destas oito mil pessoas. Em ambas as hipóteses houve grande fluxo de circulação de pessoas na região durante este processo de construção da ferrovia e novo processo de ocupação e exploração da região, muitas pessoas ou foram expulsas de suas terras ou forçadas a trabalhar em condições impostas, no que Martins (1991) chama de "massa humana marginalizada". A Guerra do Contestado, para este autor, foi uma negação do modelo de estrutura fundiária vigente, tanto que durante o conflito os revoltosos praticavam a queima de registros de terra e por parte dos opressores lhes foi oferecido em troca de rendição, partes de terras. “Os que se rendiam pela promessa de terras acabavam massacrados, sem recebê-las” (MARTINS, 1991, p.46).
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